25 de junho de 2015

Revisão do Plano Diretor de Botucatu. 2- Botucatu e as escolhas certas. Ou não.

Este é o segundo de alguns posts que estaremos publicando com o intuito de fomentar a reflexão sobre a atual revisão do Plano Diretor de Botucatu. Sejam bem vindos e pensem junto conosco!


foto: citybrazil.com.br


Botucatu e as escolhas certas. Ou não. (por Pôla Pazzanese)
                                               
Quando uma cidade faz ou revê um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano ela estabelece a hora mais adequada para construir seus pactos sociais, políticos e econômicos mais amplos, trabalhando os meios de seu desenvolvimento para que convivam em harmonia e estabelecendo os locais e modos em que interesses conflitantes possam ser discutidos para se chegar a soluções negociadas. Sua proposta de Revisão atual não supera sérias contradições existentes entre seus discursos e certas práticas  -algumas recentes- da gestão urbana, que poderiam ser resolvidas num processo mais amplo. O que certamente seria muito melhor para todo mundo em Botucatu, desde a política local, passando pelo mercado imobiliário, pelas instituições da cidade e estado, pelas elites intelectuais, religiosas e econômicas, pelas questões ambientais, chegando a suas cidadãs e cidadãos mais humildes.
Deve ser a ocasião para definirmos todos juntos que lugar é esse em que vivemos, como vivemos nele, o que precisamos para cuidar e melhorar nosso dia-a-dia, e o que esperamos dele como um lugar, onde todos podem ser ouvidos e cada grupo e cada canto da cidade pode ser reconhecido, não só pelas pessoas dali mas por todos os outros habitantes, seus vizinhos. É a hora em que todas as pessoas podem conhecer o que há de melhor, nas melhores técnicas e saberes contemporâneos, que possa ser mobilizado a favor de todos no lugar em que vivem. E podem, também, aprender muito sobre coisas que normalmente são só pouco percebidas no seu dia a dia, mas interferem diretamente nele, suas vivências, lazer e negócios.
Porque todos, sem exceção, sofrerão alguma consequência de um plano pouco desenvolvido e compreendido: Uma situação exemplar e conhecida por muitos frequentadores do Litoral Norte de SP, por exemplo, é a daquelas praias lindas, algumas até "exclusivas" e... poluídas porque as redes de água-esgoto, e seus muitos rios, não dão conta da ocupação desordenada.
Para entender algumas dessas consequências, vamos observar melhor coisas que já ocorrem hoje, entre elas, algumas práticas que serão erroneamente adotadas como modelos ou padrões de desenvolvimento, se o PDP 2015 se realizar com a abordagem que tem hoje. Atualmente, embora haja boa base de dados e pesquisas para embasar o Plano no município, em vários pontos ele não reflete tais informações em suas proposições, pois as mesmas não enfrentam certas contradições já existentes na gestão da cidade.
Por exemplo, começando do centro da cidade, observem o belo espaço público defronte a Catedral, usado hoje para as grandes festas da cidade. Este espaço é o grande centro cívico de Botucatu, completo, com as instituições que configuram, administrativa e simbolicamente, uma cidade: centros religiosos, escolas e instituições públicas, a sede do Governo local etc.. Condição que o que o torna um centro republicano por excelência, belo exemplo de desenho urbano do estabelecimento da República no país, e ainda sustentando todo um grupo de serviços, comércio e habitações ligados a ele e seus usuários. Por isso é o coração (cuore) da cidade e sua vida pública: Acessível para sua população por diversos meios de transporte e até a pé, visível de quase toda ela, e muito querido por todos.
O seu caráter de representatividade institucional está sendo abandonado, administrativa e simbolicamente, por um pretendido novo lugar, distante do centro, pouco visível pela cidade, acessível somente por veículos motorizados, isolado entre estradas. E por isso esse nobilíssimo espaço da Av. Don Lúcio vai sendo desperdiçado, criando usos conflitantes em tipo e tamanho de atividades: A perda de sua dimensão simbólica o deixa a disposição de usos sem os aspectos estruturantes de uma cidade, daí o conflito que todos já acompanhamos, com a perda dia após dia de sua identificação popular e histórica.
O problema nesse centro urbano, capital para a cidade, nos leva assim a 2 outros: Um, à falta de um espaço público digno das grandes festas que a cidade merece, outro, mais importante no contexto aqui, já indo para fora do centro da cidade, a ideia de que o pretendido novo centro cívico, onde já se situa o novo Fórum, contribuirá para o desenvolvimento da cidade naquela direção, "pulando" a rodovia Mal. Rondon.
A ideia de centros cívicos como indutores de desenvolvimento urbano vem dos anos 1950, 60 anos atrás (!), quando ainda não se entendia direito como e porque certos lugares e certas cidades deixam de funcionar. Desde os 1ºs lugares realizados assim, pelo mundo, muito se discutiu e estudou, em pesquisas e levantamentos, constatando-se que esse modelo: a) isola o poder público numa verdadeira ilha urbana, b) onera o investimento público por se distanciar da infraestrutura existente, c) apressa o abandono e degradação de centros antes vivos das cidades, d) elitiza e torna excludentes ou inacessíveis partes grandes de cidades, e) espalha a cidade deixando vazios desvalorizados em muitos lugares dela, entre outras.
Isto fez as grandes, médias e pequenas cidades, atualizadas nas melhores técnicas de gestão urbana, abandonarem esse tipo de plano já nos anos 1960. E as que não o fizeram, como diversas cidades na Espanha que seguiram na esteira de grandes movimentos imobiliários dos anos 1990/2000, ainda hoje sofrem estas consequências desde sempre constatadas.
Estes efeitos ocorrem, no mais das vezes, porque esse tipo de crescimento precisa de muito investimento [público e privado] em infraestrutura para essas novas e distantes áreas, e para isso ocupa plano e verba dos outros lugares das cidades, na expectativa de se equilibrar o atendimento de ambas as demandas a tempo. Mas esses investimentos precisam de um processo específico de crescimento econômico e populacional (e uma continuidade política incomum no Brasil), para se realizar no tempo correto de retorno político, econômico e estratégico. E a cidade não vai ter como arrecadar isso no tempo que pretendem, por causa dos motivos que serão mais bem analisados na próxima postagem.
Na proposta de Revisão do PDP feita agora, inclusive, essa zona da cidade é definida como de expansão urbana, sem zonas de transição e amortecimento (como no plano vigente) em relação à zona definida como de atenção hídrica, do lado dela, na qual ainda está na APA-Botucatu, ou seja: Imagina-se que a expansão da cidade simplesmente irá parar ali, parando nessa borda suas ruas, quadras, casas, comercio etc., para dar lugar à protegidas áreas verdes, como está nas plantas do plano, ou para a ocupação que já vem sendo feita ali, com enormes conjuntos de casas populares, galpões etc.?
E ainda com um anel viário e avenida de pistas duplas como eixos de estrutura viária de acesso mais fácil. Note-se aqui o processo de se transformar uma estrada vicinal, a Gastão dal Farra, numa avenida de acesso e escoamento de tráfego de toda uma região, erro grave de transito similar ao das periferias de Sampa, onde se perde a fluidez da estrada como ligação, e cria-se um verdadeiro funil de fluxo numa via não projetada junto com o sistema viário de seu entorno.
Observo isso nesta área da cidade, que conheço melhor, e nas demais certamente tem gente mais qualificada para observar coisas similares. Precisamos ouvi-las também, nesse processo.
Botucatu tem características que a diferenciam das demais grandes cidades do centro do estado: Do café aos caminhos de tropas e trem, do ensino e pesquisa às indústrias de alta tecnologia, da Cuesta às águas urbanas, um sistema de saúde cobrindo toda a cidade, uma proporção entre tamanho de população e território ocupado perfeitamente adequada, um natureza ainda exuberante e próxima, até o fato de que vem se tornando um polo de irradiação da comida orgânica, e ainda um grupo de pequenas cidades conectadas a ela pelo Polo Cuesta. Muita coisa que pode ser mais bem direcionada pelo conhecimento moderno num plano regional estratégico e ambientalmente adequado.
Temos muita cidade e território ainda por ser mais bem apropriados. E, com isso, vermos como evitamos muitas das causas que normalmente nos levam a empurrar as cidades a, literalmente, devorar seu meio-ambiente.

E porque não bastam apenas boas leis, precisa mesmo é ampliar a Cultura que as cria, e só se amplia cultura se se emprega as ferramentas econômicas adequadas para o que uma análise mais ampla nos permite enxergar de um determinado contexto. Porque é de Economia que se está falando, quando se trata a fundo dessas coisas. Que é só o que importa, ainda e infelizmente...

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Pôla Pazzanese, arquiteto urbanista (1981), escritório próprio (1980), arquiteto EDIF-SSO-PMSP (1982/84), professor da disciplina ´projeto arquitetonico´ (1991), um dos fundadores, 1º coordenador pedagógico, professor das disciplinas ´infraestrutura urbana e predial´ e orientador ´TFG´ da faculdade de arquitetura ´escola da cidade´(1996/2008), projetos de arquitetura de interiores, edificações e desenho urbano, nas áreas de habitação, educação, serviços, comércio e patrimonio histórico.

2 comentários:

  1. Excelente texto, Pôla, só lamento não ter nenhuma esperança neste governo que está aí e, muito menos, nesta sociedade que o cerca, que é passiva e avessa a idéias "externas", permanecendo ainda à mercê das benesses dos salvadores da pátria. Desculpe se minhas palavras são desanimadoras.Abraços,

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  2. oi, isaura
    que ótimo vc ler isso.
    e não desculpo, ainda mais de uma intelectual com a sua história na cidade.
    só na parte de patrimonio seus conhecimentos e participação são fundamentais.
    veja na próxima postagem que temos ainda muito assunto para tratarmos.

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